Este mês escrevo eu: Gonçalo Lagem, presidente da CM Monforte

Desafiado pelo meu amigo Jorge Pires, a escrever um texto sobre Santo Aleixo, ou o Concelho de Monforte, opto por Santo Aleixo, sendo o portal em questão dedicado a Santo Aleixo.

Trata-se mais de uma história pessoal, do que propriamente de um artigo de opinião e tento assim cumprir o desafio.

Decorria o ano de 1995, e tinha terminado o 12º ano. Preparava a minha candidatura ao ensino superior e tinha as férias grandes pela frente. Mas nunca fui muito de férias, preferia trabalhar durante este período, pois ficava com disponibilidade financeira para os ténis de marca e as calças Levi’s. Nesse ano, a motivação era redobrada, pois tinha cumprido a idade que me permitia tirar a carta de condução e começar a caçar com espingarda, 18 anos. Além dos ténis e das calças, tinha que pagar a carta de condução e comprar uma espingarda. Nas férias do verão anteriores, tinha andado aos fardos, ao tomate e mesmo a dar serventia na construção do Hotel Municipal de Monforte.

Mas nesse ano, fizeram-me a proposta de ir dar as férias aos carteiros nos CTT. Agradou-me imenso, pois o ordenado era razoável e bem mais cómodo que os fardos, apesar de também muito exigente fisicamente. Inscrevi-me e rapidamente fui admitido como assalariado nos CTT durante a segunda quinzena de Julho até à primeira de Setembro. Os giros que me foram distribuídos, curiosamente pelos mesmíssimos carteiros da actualidade, os meus amigos Candeias e Barradas, foram metade da Vila de Monforte e Santo Aleixo inteiro.

Como toda a gente, os primeiros dias foram de adaptação, mas a distribuição de correio, não é tarefa que se possa deixar para amanhã ou recuperar o que não fizermos hoje na semana seguinte. O processo de adaptação teve que ser rápido, conhecer as ruas, memorizar os números de polícia, para arruar correctamente no posto e tornar a distribuição o mais eficaz e eficiente possível. Foi então que ganhei prática e iniciei com alegria, aquele que seria o meu dia a dia nos próximos 2 meses.

Às 7:45h estava no posto para receber o correio e por volta das 9h, iniciávamos o giro. Fazia a parte da manhã em Monforte, na metade das artérias que me competiam, almoçava em casa por volta das 13h e debaixo do calor normal de Julho e Agosto, lá partia eu por volta das 14h para Santo Aleixo, distribuir o correio. Com o calor que se faz sentir nestes meses, as pessoas recolhem-se e o movimento na Freguesia era pouco, ainda assim os estabelecimentos comerciais estavam abertos e havia sempre alguém à espera do carteiro, pessoas que recordo com muita saudade e carinho, naquela que foi em tempos a minha missão e o meu trabalho. O sapateiro da aldeia, o meu amigo e saudoso sr. Zé “Rega”, que tinha sempre um sorriso, ou uma palavra de coragem, para quem àquela hora do calor e de testa transpirada, transitava nas artérias da Aldeia, o sr. Joaquim José Sardinha “Bucha”, que todos os dias, por mim esperava e me oferecia um copo de sumo fresquinho (lembro-me tão bem do seu rosto de bondade), que ainda hoje recordo o sabor do sumo IKEA de maracujá… ai que bem sabia aquele copo de sumo… Ou no Severo… as suas palavras ecoarão para sempre na minha memória… “senta-te aí à fresquinha a descansar e bebe uma água….” E muitas… muitas outras pessoas que farão sempre parte de mim. Lembro a Dona Guiomar Achemann, que está hoje no Luxemburgo, mas estava em 1995 no Posto de atendimento dos CTT, onde ia sempre ter quando chegava, para retomar diligências que tinha deixado no dia anterior. Tempos que recordarei para sempre e que fazem parte de mim, vincaram determinantemente a minha forma de ser e estar. Sempre fui humilde… e nessa altura, a cada passo que com sacrifício, dava debaixo de um calor atordoante, levava comigo um bocadinho da generosidade daquelas pessoas, com quem aprendi… tanto….

Com o passar do tempo, aquilo que era um sacrifício no início, passei a levar com uma perna às costas, e depois de encarrilhar nas funções e na rotina, comecei a adoptar métodos que me permitiam ir para a piscina de Monforte, onde estavam todos os meus amigos, mais cedo. Para fazer o percurso de Monforte a Santo Aleixo, tinham-me confiado uma motorizada de 4 mudanças… a famosa Casal de 4. Para me despachar mais cedo, mas cumprindo sempre a missão, utilizava a mota dentro de Santo Aleixo para fazer a distribuição e nas casas de Habitação Social, Junto ao mercado, para colocar a carta dentro da caixa de correio, tinha que subir os passeios com a mota…

Passados alguns dias, o João Moura toureava 6 toiros no campo Pequeno em Lisboa e ninguém queria perder esse momento, para o qual a Câmara disponibilizou transportes para as pessoas poderem ir assistir. Eu inscrevi-me e a partida era de Monforte às 14:30h. Pensei….” Como estarei em Monforte a essa hora com o Correio de Santo Aleixo por distribuir?, porque era a essa hora que normalmente lá estaria, em Santo Aleixo”

O Carteiro chefe que estava comigo na altura sugeriu-me, fazer Santo Aleixo logo de manhã, distribuir apenas o correio urgente e de onde saía a carrinha que me levava ao Campo Pequeno, de Monforte, eu cá estaria a essa hora, depois de distribuir igualmente o correio urgente, tendo que ficar para o dia seguinte o que ficara por entregar naquele dia. Era um grande sacrifício chegar às 4h da manhã, ter que me levantar às 7h e ainda por cima ter um volume de correio superior ao normal por entregar… mas o João Moura e os 6 toiros eram, como vieram depois a ser um grande acontecimento e Monfortense que se prezasse não poderia faltar…

Foi então que iniciei, aquilo que era a distribuição de Santo Aleixo e que ocorria normalmente à hora do calor, portanto quando não havia ninguém na rua, nesse dia às 9 da manhã, a Freguesia estava em franca actividade e havia imensa gente na rua…

Resultado:… levei um grande raspanete das senhoras da Rua António José Falé Canoa…”Então nós a ralharmos com os gaiatos, a pensar que eram eles com as bicicletas, que nos deixavam os passeios pretos dos pneus… afinal é o sr. Carteiro….” Eu fiquei muito envergonhado, pois não tinha sequer percebido que estava a sujar os passeios…

Hoje recordo este e muitos outros episódios, com grande carinho e saudade, pois em 1995, fiz parte da história de muitos santoaleixenses e essas pessoas passaram a fazer parte de mim. Orgulho-me muito de ter sido carteiro e de ter privado com imensas pessoas, ter partilhado as suas vidas… vivi intensamente esse período e saberei ser sempre grato, serei sempre o Gonçalo, o mesmo, pois sou apologista das personalidades… não das personagens.

Bem haja a todos os santoaleixenses.

Gonçalo Nuno Lagem

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