– Começando exactamente pelo início. Como foi o seu percurso até perceber que a “comida” seria a sua profissão?
Costumo dizer em tom de graça que fui criado na cozinha… Toda a vida profissional dos meus pais esteve ligada à restauração. No entanto, talvez por esse ser o meu ambiente constante, em criança nunca sonhei ser cozinheiro nem tão pouco seguir qualquer profissão ligada à restauração.
Como não concluí o ensino secundário fui trabalhar no Bar do meu pai, em Vaiamonte, minha terra natal. Pode parecer estranho mas foi talvez esta situação, perfeitamente normal, o grande ponto de viragem na minha vida profissional ou, pelo menos, o impulso para aquele que iria ser o inicio da minha carreira. A monotonia de servir ao balcão no Bar da minha aldeia, aliada à minha personalidade dinâmica, fizeram com que refletisse e concluísse que nasci para ser cozinheiro. Tudo o que aprendi com o meu pai sobre cozinha e restauração e o facto de ser um bom garfo tiveram um enorme peso na decisão que acabei por tomar.
Gostava de referir que, apesar de a escola de hotelaria me ter dado o conhecimento técnico, foi com o meu Pai que aprendi valores como a honestidade, a humildade e a resiliência que comprovo hoje serem fundamentais, e que vejo como um “manual de sobrevivência” na cozinha e na vida.
– Quais os skills que um Chef deve ter para vingar?
Acima de tudo vontade, resiliência, imaginação e humildade.
Vontade de estar disposto a uma vida que deixa muito pouco tempo para a família e amigos. Vontade de aprender porque numa cozinha estamos em constante aprendizagem, principalmente ao inicio do percurso profissional, uma vez que existe muito para aprender e nem todos as pessoas têm disposição para aprender, quer seja pela personalidade quer pela sua capacidade de adaptação.
Resiliência porque enquanto estamos a trabalhar surgem inúmeras situações, que se alteram num instante e é muito importante estarmos preparados para as resolver.
A Imaginação, que para mim é crucial, principalmente para aqueles que estão numa busca constante de novos conceitos, novas combinações, novos empratamentos e novos pratos.
E por fim, o que considero mais importante é a humildade, que não é um skill importante apenas para um Chef mas para qualquer profissional. Para sermos bons temos que errar e errar muito, mas também temos que ser os primeiros a reconhecer o erro. Errar é a melhor maneira de aprender, mas só a humildade nos permite receber essa aprendizagem.
Quais os primeiros passos para conseguir atingir o sucesso?
Os primeiros passos a dar começam por frequentar uma escola de hotelaria e por escolher bons restaurantes para ganhar experiência. Enquanto isso basta “munir-se” de vontade de aprender, de empenho e perfecionismo. Com humildade e persistência, estou certo de que o sucesso chegará.
– Nos últimos anos os programas de culinária têm ganho cada vez mais adeptos e proliferado pelo mundo. Por exemplo, o Masterchef Australia costuma ser seguido por algumas dezenas de milhares de portugueses. Como vê esta situação? De facto, a gastronomia está a entrar em casa de todos de uma forma que antigamente era mais difícil?
É certo que os programas de culinária ajudaram muito a tornar as pessoas mais interessadas pela gastronomia e todos os elementos inerentes a ela, mas acho que a restauração em Portugal também foi evoluindo com esse aumento de interesse começando a pensar novos conceitos, modernizando o serviço e a oferta.
Antigamente não existia um critério especifico na hora da escolha do sitio para as pessoas se alimentarem. Hoje em dia as pessoas querem conhecer produtos e conceitos novos… Por exemplo, se há 10 anos atrás qualquer cozinheiro servisse peixe cru a um cliente certamente ele iria reclamar e dizer que o cozinheiro estava doido. Vemos hoje que este conceito está completamente ultrapassado.
No entanto, estes programas trouxeram para a restauração dois pontos muito negativos, que resultam do facilitismo e do mediatismo que os mesmos apresentam. Estes programas transmitem às pessoas que sonham ser cozinheiros que tudo é fácil. Pensam que assim que terminam a formação irão logo ser Chef’s, que basta seguir uma receita e fazer um empratamento todo bonitinho com umas florzinhas e uns riscos e pronto. E este facilitismo está a criar um excedente de alunos nas escolas que, para corresponder à procura, aumentam as turmas e arriscam perder a qualidade de formação que prestam e depois, assim que muitos jovens cozinheiros têm o primeiro contacto com a realidade, acabam por desistir.
A realidade de uma cozinha é muito diferente daquela que os programas nos apresentam. Existe muito estudo, técnica, organização, planeamento, controlos de custos etc.. e principalmente muito esforço físico e psicológico.
Um outro ponto negativo é que com o mediatismo dos programas de culinária toda a gente quer ser cozinheiro, mas poucos querem ser “empregados de mesa”. E acabo por ver um pouco mais desvalorizados estes profissionais que, num restaurante, são tão importantes como os cozinheiros. Nenhum restaurante é capaz de dar um bom serviço sem ter bons profissionais a atender, a aconselhar e a servir. Felizmente tenho a sorte de ter uma equipa com excelentes profissionais de sala que, apesar de jovens, têm uma enorme vontade de mostrar que o serviço deles é tão importante para o sucesso do Restaurante, como o serviço da cozinha.
– Como foi trabalhar com Ljubomir Stanisic, no 100 maneiras? As maiores aprendizagens? E desafios?
Trabalhar com o Ljubomir foi sem dúvida uma experiência muito gratificante mas, ao mesmo tempo, muito dura. O Ljubomir é um Chef de “produto”, ou seja, valoriza muito os produtos e a sua origem e graças a isso durante o tempo que estive com ele tive a oportunidade de trabalhar os melhores produtos que existem em Portugal e no Mundo. Mas para se poder trabalhar esses produtos não é apenas necessário ter capital, mas principalmente saber trabalhá-los e nisso ele é um poço de conhecimento.
O maior desafio foi sem duvida corresponder à exigência que era imposta por ele, aliado ao temperamento do mesmo. Por exemplo, posso afirmar que é difícil dar 140 jantares numa noite, com a mesma qualidade que se estivéssemos a dar 10, mas ali isso acontecia e por vezes com uns pratos ou tachos a “voar” pela cozinha!
– Como chegou ao Basilii?
Já era uma vontade antiga voltar ao Alentejo, uma vez que é aqui que tenho toda a minha família. O Dr. Paulo Barradas e a Dra. Ana Isabel já conheciam o meu percurso profissional e o meu trabalho e acabou por surgir a proposta para trabalhar no Basilii.
– Quais os segredos de um bom prato alentejano? Que ingredientes não podem faltar?
O maior segredo de todos, que passa despercebido a muita gente, na Gastronomia Alentejana é o Tempo. Vivemos numa sociedade em que o tempo é cada vez mais escasso, tudo tem que ser feito o mais rápido possível e obviamente esta ideia esta implementada também na Cozinha. Já ouvi inúmeras vezes pessoas que tentaram fazer “a receita da avó ou da mãe”, mesmo tendo toda a receita, nunca conseguiram fazer igual e isso deve-se à falta de tempo. As nossas avós e mães “perdiam” tempo de roda do tacho, respeitavam os timings quer de confeção quer de tempero, deixavam a carne a marinar durante dois dias, faziam o refogado devagarinho, deixavam a comida apurar o tempo necessário e hoje em dia isso é difícil de concretizar, quer numa cozinha de casa ou de um restaurante. Os ingredientes que não podem faltar são, sem dúvida, o Azeite ou Banha, o Alho e o Louro, são a base de qualquer bom prato alentejano.
– Os ingredientes que gosta mais de cozinhar, e que fazem a diferença numa cozinha?
Os meus favoritos são as Especiarias, Cogumelos e Novilho. Para mim não existe um ingrediente que faça a diferença na cozinha, mas sim a qualidade do ingrediente. Um ingrediente de qualidade faz toda a diferença na hora de cozinhar, se tivermos uma carne de má qualidade é necessária “mascarar” esse alimento com temperos e afins, mas se for de boa qualidade basta colocar um pouco de flor de sal e o resultado será muito melhor que uma carne cheia de temperos.
– O Basilii é conhecido por revisitar sabores alentejanos de uma outra forma, mais contemporânea. De onde surgiu a inspiração para esses pratos?
Esta inspiração surge de um processo criativo adaptado ao nosso conceito, primeiro pensamos no prato tradicional Alentejano que queremos trabalhar, revemos que upgrades podemos fazer a esse prato com as técnicas de confeção modernas mas tentando sempre que não altere o sabor tradicional, vamos procurar os produtores da região e escolhemos o que tiver melhor produto, desenhamos o empratamento de modo a contar a história desse prato e vemos se há possibilidade de dar na sala alguma mise-en-scène no momento em que servimos o cliente.
– O que torna o Basilii um restaurante diferente dos tradicionais alentejanos?
Nós não vendemos apenas comida, nós vendemos uma experiência gastronómica diferenciadora e de qualidade, respeitando sempre as raízes e sabores da Gastronomia Alentejana. Essa experiência não passa apenas pela comida. Toda a envolvência do nosso restaurante contribui para essa experiência, em primeiro o Restaurante está dentro do Torre de Palma Wine Hotel, que é para mim das unidades hoteleiras mais bonitas de Portugal. Tem uma decoração de assinatura, as loiças utilizadas são das melhores produzidas no nosso país, o serviço de sala é feito por profissionais formados e com conhecimento daquilo que estão a servir, todos os pratos têm uma história e a maioria não são apenas “comida num prato”. Muitas das nossas “finalizações” são feitas junto do cliente, uma vez que o cliente não consegue ver o que se passa dentro da cozinha, tentamos levar o máximo possível da cozinha para a mesa. Os vinhos servidos são de produção própria e todos os nossos pratos conseguem surpreender o cliente porque a nossa carta não contém “floreados”, mas sim apenas os ingredientes e técnicas utilizadas. E, apesar de estarmos inseridos num Hotel de 5 estrelas, somos um Restaurante com um preço médio de 35€ por pessoa equivalente à oferta dos Restaurantes de Rua.
– A melhor/pior/mais engraçada/incrível/surreal história que já lhe aconteceu como chef?
A pior história aconteceu num dia em que tínhamos o Restaurante cheio e ficámos sem gás, devido a problemas técnicos, e tentámos resolver o problema apenas com um bico de uma placa de indução. Foi horrível porque não estávamos a dar vasão ao serviço e todas as mesas estavam a atrasar, mas acabámos por conseguir servir tudo e ninguém ficou sem comer.
A mais incrível, ainda não era Chef, foi quando vi um colega meu encher um maçarico com uma botija de gás, perto de um fogão com os bicos ligados, e enquanto ele estava a encher, a válvula do maçarico prendeu e jorrou o gás todo para fora. Acabou por pegar com o lume do fogão e resultou numa explosão enorme dentro da cozinha… Eu estava a 2 metros e só tive tempo de me atirar para o chão e, por incrível que pareça, ele só chamuscou o bigode.
– O seu maior sonho como Chef?
É um sonho muito simples… Conseguir ter um Restaurante que esteja sempre cheio e, naturalmente, com um serviço de qualidade em todas as áreas. É para esse fim, que trabalho todos os dias!
– Como Chef, para quem gostaria de cozinhar? E qual seria a ementa?
Adorava cozinhar para o Anthony Bourdain, o homem já viajou por todo o mundo, mas nunca conheceu a melhor Gastronomia do mundo, que é a Alentejana. Não me iria enfiar numa cozinha a cozinhar para ele mas sim levá-lo a uma matança do porco, por exemplo em Vaiamonte, para ver a desmancha do porco, a lavagem das tripas, o fritar dos torresmos, o fazer da banha, a preparação da carne para os enchidos e claro dar lhe a provar a Molhanga e a Sopa de Cachola.
– A sua ementa perfeita?
A perfeição, na minha perspetiva, é algo quase inatingível, no entanto esta minha afirmação é um paradoxo tendo em conta que trabalho todos os dias com o intuito de a alcançar. Para além disso aquilo que é perfeito para mim poderá não o ser para outros. Como é obvio cada vez que construo uma ementa nova (a cada 6 meses) representa sempre aquilo que no momento, para mim em termos gastronómicos se situa mais próximo da perfeição.
– Não sei se conhece Santo Aleixo. Se sim, qual é a sua opinião da pequena aldeia do Concelho de Monforte?
Sim, conheço Santo Aleixo. Uma bonita aldeia tipicamente alentejana, terra de boa gente… Por curiosidade tenho o privilégio de trabalhar neste momento com um filho dessa terra, o David Gonçalves, que é uma das jovens promessas do serviço de mesa no Alentejo.
– E a sua opinião sobre o Concelho de Monforte?
Bem… Acerca do concelho de Monforte, que é o meu, e onde tenho o privilégio de trabalhar neste momento posso afirmar que é um concelho em constante evolução e crescimento. Posso dizer com orgulho que é um concelho dotado de várias potencialidades, a nível socioeconómico, turístico e de tradições. Um concelho rico em tradição gastronómica… E por isso também uma fonte inspiração para a minha forma de cozinhar. Um bom exemplo disso é o Toucinho Rançoso de Monforte que faz parte da Carta do Basilii e que tem como base a receita original, à qual alterámos a farinha de trigo por farinha de castanha fumada, produzida em Marvão.
Aproveito para convidar os leitores a visitar este concelho, a deixar-se levar simpatia das nossas gentes e como é óbvio a visitar o Restaurante Basilii, que considero um dos melhores exemplares do respeito pela Gastronomia Alentejana.
Muito bem gostei do que li ..
Já conheço a sala já lá fui tomar café …
Parabéns ao autor e ao entrevistado ??